Vegetarianismo contra o Câncer: uma campanha da Sociedade Vegetariana Brasileira

O câncer mata 8,3 milhões de pessoas por ano no mundo. Com o intuito de apresentar à população os benefícios da alimentação vegetariana para a prevenção do câncer, a Sociedade Vegetariana Brasileira e seus parceiros criaram a campanha Vegetarianismo Contra o Câncer.

Muitas pesquisas têm surgido nas últimas décadas relacionando o consumo de carnes e proteína animal à maior incidência de câncer, principalmente na civilização ocidental. Sem dúvida, uma das mais importantes já feitas é a declaração da Organização Mundial de Saúde (OMS) de outubro de 2015 em que, através da análise de 800 estudos feita por 22 especialistas de 10 países e publicada na The Lancet Oncology, classificou o consumo de carne processada como “cancerígena para os seres humanos” (Grupo 1) com base em evidências suficientes para o câncer colorretal e com uma associação positiva para o câncer de estômago. A carne vermelha foi classificada como “provavelmente cancerígena para os seres humanos” (Grupo 2A) e o consumo de carnes vermelhas também foi positivamente associado ao câncer pancreático e ao câncer de próstata. Ao fazer esta avaliação, a OMS levou em consideração todos os dados relevantes e substanciais que mostram uma associação positiva entre o consumo de carne vermelha e o câncer colorretal.
 

O processamento da carne, como curar, embutir e defumar, pode resultar na formação de produtos químicos cancerígenos, incluindo os Compostos Nnitrosos (NOC) e os Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (HAP). De forma semelhante, cozinhar a carne em altas temperaturas também pode produzir carcinógenos conhecidos ou suspeitos, incluindo as Aminas Aromáticas Heterocíclicas (HAA) e os mesmos HAP.
 

Os HAPs são um grupo de mais de 100 produtos químicos diferentes, tipicamente formados quando a gordura e os sucos da carne, incluindo carne bovina, suína, peixe ou aves, gotejam para o fogo criando chamas e fumaça e, em seguida, se mantêm na superfície da carne. Fritar ou grelhar diretamente sobre uma chama aberta são os métodos que mais produzem HAPs, mas estes também são gerados no processo de defumação da carne. Em um estudo realizado em 2016, alterações no DNA mediadas por HAP foram detectadas em tecidos mamários normais adjacentes em 41% das mulheres com câncer de mama e em nenhum dos controles sem câncer (Moorthy, 2016).
 

Outro mecanismo importante indutor da carcinogênese é o Ferro de origem animal, ou Ferro Heme . O Ferro Heme media a formação de Compostos N-nitrosos (NOC) e de produtos de oxidação de lipídios no trato digestivo de seres humanos, ou seja, tem função próoxidante, causando estresse oxidativo e formação de radicais livres. Em um estudo de Shanghai, China, uma alta ingestão de ferro heme foi positivamente associada a um risco 49% maior de câncer de mama primário em mulheres chinesas, e as gorduras saturadas também derivadas de fontes animais podem aumentar esse efeito. O estudo concluiu que reduções combinadas no consumo de ferro e gorduras derivadas de animais têm o potencial de reduzir o risco de câncer de mama (Kallianpur , 2008). Uma potencial explicação para a falta de resultados lineares em estudos prévios sobre câncer de mama e dieta encontra-se no período de exposição alimentar pois, a glândula mamária é particularmente vulnerável à influência de fatores carcinógenos durante a adolescência e início da idade adulta devido a rápida proliferação celular nessa fase. Entre as mulheres do “Estudo das Enfermeiras de Harvard II” um grande consumo de carne vermelha na adolescência e início da idade adulta foi associado com aumento na incidência de câncer de mama em mulheres jovens na pré-menopausa.
 

Durante os 13 anos de seguimento do estudo, foram documentados 1.132 casos de câncer de mama invasivo. Entre todas a mulheres, o risco de câncer de mama foi 17% maior nas mulheres com o maior consumo de carne vermelha, comparadas com as de menor consumo.

Porém, entre as mulheres na pré-menopausa, o maior consumo de carne vermelha foi associado a um aumento de 43% no risco de câncer de mama quando comparadas com as de menor consumo (Farvid 2014).
 

Por outro lado, efeitos anticarcinogênicos dos feijões e leguminosas já foram demonstrados em inúmeros estudos e contribuíram para o menor risco de câncer observado na substituição de carne vermelha por leguminosas. Reduções na insulina, no fator de crescimento semelhante a insulina (IGF-1) e na proteína C reativa, assim como aumento do consumo de fibras ou alterações no metabolismo dos lipídeos também contribuem para diminuir o risco.
 

A importância do padrão alimentar também foi avaliada para o prognóstico do câncer de mama em um Ensaio Clínico Controlado Randomizado (Women’s Health Initiative Dietary Modification trial). Nesse estudo com 8,5 anos de intervenção e 16 anos de seguimento, uma dieta com baixa ingestão de gordura e aumento no consumo de frutas, vegetais e grãos integrais diminuiu número de mortes em mulheres com câncer de mama(RT Chlebowski, 2017).
 

Dieta vegetariana estrita protege contra o cancer de inúmeras maneiras. No Adventist Health Study-2, um dos mais importantes estudos no que se refere a prevenção do câncer associado à alimentação, a dieta vegana, mostrou uma proteção para todos os tipos de câncer. Ainda, mulheres veganas tiveram 34% menos câncer específico do sexo feminino. Posterior evidência veio da análise conjunta dos dados de 2 outros estudos prospectivos no Reino Unido, chamados “Oxford Vegetarian Study” e o “European Prospective Investigation into Cancer and Nutrition-Oxford (EPICOxford)” que mostraram 19% menor risco de câncer no geral entre os veganos comparados com consumidores de carne (Tantamango-Bartley – 2013).
 

Fatores associados com a alta quantidade de fibras contidas nas dietas vegetarianas promovem aumento da sensibilidade à insulina e uma dieta baseada em vegetais está associada com baixos níveis de IGF-1 comparada com não-vegetarianos ou até mesmo ovo-lactovegetarianos.
 

Um estudo publicado no European Journal of Clinical Nutrition demonstrou que níveis elevados de IGF-1 estavam positivamente associados ao consumo de proteínas de origem animal, leite, queijo e minerais. O estudo avaliou 2.109 mulheres de oito países europeus que tinham participado de um estudo anterior de câncer de mama (EPIC-Oxford) e encontrou uma relação inversa entre os níveis de IGF-1 e a ingestão de vegetais e beta-caroteno, encontrado em frutas e vegetais de cor de laranja, bem como vegetais de folhas verdes (Norat T, 2007).

Insulina e IGF-1 agem como promotores para a maioria dos tecidos normais e também para o tecido préneoplásico e podem favorecer o crescimento tumoral por aumentar a proliferação celular, inibir a apoptose (morte da célula) em células normais e neoplásicas (células cancerígenas), e promover a neoangiogênese tumoral (formação de novos vasos). Portanto, a redução dos seus níveis circulantes pode reduzir o risco de câncer, incluindo o câncer de próstata.
 

Em relação a saúde do homem, as evidências favoráveis a dieta vegetariana estrita se tornam cada dia mais claras. De acordo com pesquisadores de Harvard, o consumo de 2,5 ovos por semana aumentou em 81% o risco de desenvolver uma forma letal de câncer de próstata entre homens saudáveis. Mais além, homens que já vivem com câncer de próstata terão duplicado o seu risco de progressão por comer menos do que um único ovo por dia (Richman, 2011).
 

Já a dieta vegana mostrou diminuir o risco de câncer de próstata em 35% como publicado no American Journal of Clinical Nutrition em janeiro de 2016 (Tantamango-Bartley – 2015). Muito dessa proteção se deve à ausência dos laticínios na dieta vegana. Pesquisadores na Suécia estudaram dados de indivíduos com intolerância à lactose e descobriram que em um total de 22.788 indivíduos identificados como intolerantes à lactose, os riscos de câncer foram menores e estatisticamente significantes: 45% menor risco de câncer de pulmão, 21% menor risco de câncer de mama e 39% menor risco de câncer de ovário. Sendo que a incidência nos parentes de primeiro grau, pais e irmãos, dessas pessoas foram semelhantes à população normal, o que exclui potenciais fatores genéticos (Br J Cancer, 2015).
 

Leites e outros produtos lácteos podem conter altas quantidades de gorduras, particularmente gordura saturada, e alguns fatores de crescimento, como o IGF-1, e mais ainda, o leite é uma fonte alimentar potencial de estrógeno. Níveis aumentados de metabólitos de estrógeno (ME) estão associados com cânceres do sistema reprodutor. Em um estudo nos EUA as quantidades absolutas de ME não conjugado (livre) e não conjugado mais conjugado (total), foram medidas em uma variedade de leites comerciais (integral, semidesnatado a 2%, desnatado e na manteiga). Os resultados mostraram que os produtos lácteos testados contêm níveis consideráveis de ME e esses dados suportam a hipótese de que o consumo de leite possa ter influência sobre o risco de câncer (Farlow, 2009).

De uma forma geral, a dieta vegetariana estrita ajuda a combater o câncer de duas maneiras que se complementam: maior aporte de substâncias inibidoras da carcinogênese e menor de substâncias indutoras do câncer. A combinação da ingestão de alimentos vegetais ricos em compostos como os fitoquímicos, os antioxidantes, os flavonóides, as isoflavonas e as fibras presentes nas frutas, nos vegetais folhosos, nos cereais integrais, nos legumes e nas leguminosas é muito maior, mais completa e eficiente em uma dieta vegetariana estrita/vegana, sendo este um importante mecanismo na redução do risco de câncer entre vegetarianos e veganos e uma excelente estratégia a ser adotada por todos que quiserem uma alimentação mais saudável.

Por Dra Karla Daniela Santone.

Referências:

http://www.thelancet.com/journals/lanonc/article/PIIS1470-2045(15)00444-1/fulltext

http://portugues.medscape.com/verartigo/6500886#vp_2

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17431764

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25220168

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/28654363

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23169929

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16900085

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21930800

http://ajcn.nutrition.org/content/early/2015/11/11/ajcn.114.106450

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4453601/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19217359

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